quinta-feira, 22 de maio de 2008

Xeque-mate


Sinto saudade. Todos os dias. Quase todos os momentos. Quase todas as horas. De tantas coisas. Mas de uma, em especial. Da mais improvável. Da mais inexplicável. Relaxa!

Preciso ter perto. Preciso ser perto. Preciso estar perto. Quilômetros. Muitos. Malditos. 1148. Mas estou perto. Tenho perto. Tenho dentro. Relaxa!

Conquistou. Imediatamente. Caí. Não levantei. Nem quero. Espero caído. Vai me levantar. Quando for perto. Me tiver perto. Me tiver dentro. Relaxa!

Imagino. Reviro. Viro. Giro em mim mesmo a sensação. Única. Não vi. Não senti. Não provei. Mas já conheço. E quero mais. Relaxa!

Segundo por segundo. Conto. Adianto os ponteiros, os calendários. Não adianta. Eles me empurram. Me jogam pra trás. Relaxa!

Está aqui. Está comigo. Certo. Imagino. Reviro. Viro. Relaxo!

E penso outra vez. Não consigo. Estou entregue. Xeque-mate.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Cinema é coisa séria


Amigo leitor, amiga dona-de-casa. O texto a seguir foi escrito por mim em meus plenos 16 anos, em 2005, quando, sabe-se lá o porquê, passava por um momento de crise com o cinema nacional. Ainda hoje deixo minha boa-vontade de lado quando o assunto é cinema nacional, mas com ressalvas e argumentos. Revirando arquivos jurássicos no computador, deparei-me com este. Aí vai, tosquice adolescente da boa:



“Cinema é coisa séria”

INFORME PUBLICITÁRIO-24/05/2020


Grande Francisco “Feinho”, o diretor de “Garfos nas Varizes”. Sempre nos disse que o mercado está aí, é só se vender a ele que tudo dá certo. E nós nos vendemos. “O ataque da soja transgênica” foi o primeiro filme do Mega Estratosférico Renovador Departamento Audiovisual Brasileiro (M.E.R.D.A. BR), um setor destinado a copiar Roliúdi e trazer pra cá a nata dos artistas de lá. Chuck Norris, Rebeca De Mornay e Steven Segal já fizeram fortuna com palestras de interpretação para jovens promissores. Criou-se um gigantesco parque industrial cinematográfico em Seropédica, para melhor acesso, com estúdios de gravação, vinte e cinco salas de cinema e pipoca a um real (projeto do governo do estado). Eu, Robert Denílson, sou o galã do semestre.


Meu contrato inclui vinte e cinco filmes. Sete com mulheres que devo proteger, pois são atormentadas pelos ex-maridos psicopatas e acabam se apaixonando por mim. Cinco com belas e jovens atrizes, em que nós nos odiamos, mas no final terminamos juntos. Três com cenas de perseguição a traficantes mexicanos e suas muchachas libidinosas. Dois com espiões malvados soviéticos que querem explodir o mundo. Dois em que encarno o Super-Brazuca, o super-herói brasileiro.E um com criancinhas das quais devo cuidar, mesmo sendo forte e másculo.

Atualmente, o maior sucesso tem sido o “Obsessão Perigosa 5”, com o Toninho Cruzes e Alda Repbolha. Mas, vem aí o mais original, o mais grande, o mais melhor filme de aventura: “A lêndia do cabelo fedido”, com Maikel Dougras e Mary Estripa.




“Cinema brasileiro é a maior diversão. Ainda mais quando é igualzinho ao dos Esteites”.
Quente Talatindo, chefe do grupo M.E.R.D.A. BR Corporeichion


*Robert Denílson não cobrou cachê em troca de seu depoimento. Só uma vaga em “Tita & Nica"

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O que eu não tenho


Não tenho sede. Passo dias e dias sem ter vontade de beber uma gota d’água. Não tenho fome. Passo dias e dias sem ter vontade de comer um pedaço de pão. Não tenho frio. Passo meses e meses sem ter vontade de vestir um casaco. Não tenho pressa. Passo horas e horas sem ter vontade de olhar para o relógio. Não tenho tristeza. Passo noites e noites sem ter vontade de chorar. Não tenho fé. Passo domingos e domingos sem ter vontade de rezar. Não tenho força. Passo manhãs e manhãs sem ter vontade de me levantar. Não tenho paciência. Passo minutos e minutos sem ter vontade de escutar. Não tenho respeito. Passo anos e anos sem ter vontade de me desculpar. Não tenho lógica. Passo dias e dias sem ter vontade de me entender. Não tenho vícios. Passo dias e noites sem ter vontade de te ver. Não tenho prazer. Passo noites e noites sem ter vontade de gozar. Não tenho paz. Passo meses e meses sem ter vontade de viver.

Tudo isso eu não tenho. O que eu tenho, então?

Tenho medo de descobrir.

domingo, 18 de maio de 2008

06:55


Levantou-se como se aquela fosse a última oportunidade de dizer que a amava. Vestiu uma calça, uma camisa qualquer, o tênis que estava mais perto e foi. Tinha que correr. Faltavam minutos. Quinze. Na cama, ela não se mexeu. Pegou as chaves do carro. O cachorro correu atrás, mas ele fechou a porta ao sair, sem que o coitado pudesse fugir, como de costume. Desceu enlouquecidamente até a garagem. Entrou no carro. Chovia. O dia amanhecia. Mas ninguém notava.

Os sinais estavam todos livres, ruas vazias, curvas perfeitas. Faltavam minutos. Dez. Nunca imaginou aquilo. Depois te tantos anos, em uma noite sem sono descobriu que a amava. Tantas noites escondidos, como fugitivos da moral, e agora era preciso demonstrar o que tão obscuro foi por tanto tempo. Oito. Viagens que nunca aconteceram, mas eram juradas. Juras que sempre aconteceram, sem nunca serem cumpridas. Mas o amor era real, fluente. Só não-dito. Enrustido. Seis.

Estacionou. Porta do carro aberta, correu até o terminal de embarque. As lágrimas caíam com o vento ao correr desesperado. A voz dizia: última chamada para o vôo 1245, São Paulo/Nova York.. Quatro. Avistou os cabelos ruivos. Desaparecendo. Distanciando-se. Correu, chorando. Correu. Dois. Ela parecia ter esperado até aquele instante. E seus cabelos ruivos, que também esperavam, foram sumindo. Um. A porta se fechou. Não havia mais tempo. O amor ficaria para sempre ali, com ele. Guardado.

06:55

Ele sussurrou, vendo o avião sumir entre as nuvens do céu cinzento:

- Te amo.

sábado, 17 de maio de 2008

O Chefe do trigésimo sétimo andar


Aquela era uma empresa exemplar. A hierarquia era herdada de anos, anos e mais anos de uma administração impecável, competente, e principalmente, eficiente. Cada andar do prédio determinava um setor. E quanto mais alta a localização de sua sala, maior sua relevância dentro do império. Eram 37 andares. E, no trigésimo sétimo, a luz. O Chefe. Ele era único e soberano no trigésimo sétimo andar.

Gomes era recém-contratado. Ainda estava no terceiro andar, setor de relacionamentos, reles relações-públicas. O que, dentro da empresa, era um cargo menor, inferior. Mas Gomes não pretendia ficar no terceiro andar por muito tempo. Sempre ouviu que a persistência era a chave do sucesso. Sempre desconfiou que fosse desculpa de gente burra, mas preferia acreditar no dogma para lutar pelo trigésimo sétimo andar. E com o andar da carruagem, Gomes passou a demorar mais tempo dentro do elevador. Décimo oitavo. Vigésimo quinto. Trigésimo. Trigésimo terceiro.

Mas, como vários outros funcionários, Gomes nunca entendeu o porquê de o Chefe nunca ter dado as caras. Em tantos e tantos anos de empresa, o Chefe nunca saiu do trigésimo sétimo andar. Por quê? Ninguém sabia. Todos questionavam, mas ninguém sabia apontar os motivos. Gomes tinha um plano.

Os ascensoristas recebiam ordens para nunca levarem ninguém até o trigésimo sétimo andar. Até porque, o Chefe chegava em seu helicóptero. Não precisava de elevador. Então, era preciso tomar o lugar dos ascensoristas. Como? Dopando os coitados.

Então assim se fez. Gomes dopou o ascensorista do turno da noite e, quase às onze horas, com o prédio praticamente às escuras, entrou no elevador. Portas fechadas, apertou o botão do misterioso trigésimo sétimo andar. Vigésimo. Vigésimo nono. Trigésimo segundo. O elevador parou. Trigésimo sexto...trigésimo sexto. Trigésimo sexto?!

Gomes olhou para o visor do elevador. Indicava o trigésimo sexto andar. A porta do elevador se abriu. Gomes, sem entender o que estava acontecendo, saiu pelo corredor completamente escuro. Não via nada. De repente, uma voz se aproximando aos poucos:

-Não acredite em trigésimo sétimo andar. Não acredite em Chefe algum. Só acredite em uma coisa: a curiosidade matou o gato. E agora vai te matar.

Gomes sentiu a faca em seu peito. O trigésimo sétimo andar precisava existir.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Enquanto Seu Lobo não vem


Enquanto Seu Lobo não vem, quero passear por aí. Ver o outro lado. Saber como é lá fora. Sair e, talvez, não voltar. Enquanto Seu Lobo não vem, vou quebrando máscaras, dilacerando rótulos. Menos os meus. Enquanto Seu Lobo não vem, quero saber de tudo. Nada vai escapar. Nem você. Enquanto Seu Lobo não vem, eu como, como, como. Vomito se quiser. Vomitarei sim, as palavras. As palavras vão fugir de mim. Enquanto Seu Lobo não vem, farei os demais de nós também fugirem. Menos você. Você fica. Enquanto Seu Lobo não vem, devorarei os livros. Página por página. Prefácio por prefácio. Enquanto Seu Lobo não vem, sairei nessa chuva. Lavarei minha alma. Enquanto Seu Lobo não vem, largarei meus modos, meus poréns, minha moral. Mas não meu moral. Você vai ver. Jogarei tudo abaixo. Você vai ver. Enquanto Seu Lobo não vem, mais ninguém também virá. Terão medo. Você não. Enquanto Seu Lobo não vem, rasgarei meus mandamentos, meus princípios. Mas não os meus finais. Nem os seus. Nem os nossos. Enquanto Seu Lobo não vem, afastarei a sanidade, a santidade. Serei insano. Enquanto Seu Lobo não vem, serei insone, guardarei a cama no armário. Dormir é para os fracos. Enquanto Seu Lobo não vem, serei forte. Derrubarei grades, romperei correntes, arrebentarei cadeados. Os fracos não terão vez. Os velhos, então, serão esfolados. Enquanto Seu Lobo não vem, serei eu o lobo. Soltarei as amarras, as prisões, os porões. Os meus. Os seus não. Enquanto Seu Lobo não vem, secarei as lágrimas, uma por uma. Mas te farei chorar. De alegria. De prazer. Enquanto Seu Lobo não vem, também terei o prazer. De te fazer sofrer. Você fica. Enquanto Seu Lobo não vem, serei livre. Você, leve e preso. Enquanto Seu Lobo não vem, serei rei. Enquanto Seu Lobo não vem, tudo. Enquanto Seu Lobo não vem, nada. Uma pena.

Ele sempre vem.

terça-feira, 13 de maio de 2008

To edit


Horas e horas ali, sobre a mesa. Registros tantos, momentos vários. A sorte estava lançada. Não era preciso tesoura, navalha ou estilete. O corte, mesmo profundo, era delicado, uma arte. O contraste incrível entre a morte de um pedaço de história e o surgimento de um outro, uma terceira via. Um novo começo. Uma manipulação mágica de discursos, uma capacidade maquiavélica de construção de verdades. O não que pode virar sim, o avesso que pode ser ícone, o talvez que se torna sempre. Nada de tesouras, não! Botões vermelhos transformam a história. E não só com fitas. Editamos nossas vidas todos os dias. Cortamos, colamos, criamos. Somos assim, editores de nossas histórias, senhores das nossas verdades.