A manhã de sábado nunca passava em branco na praça. A feira livre era território para momentos antológicos, que poderiam ser registrados sem cortes e reunidos em um "the best of". Quantas batalhas já haviam ocorrido ali? Na barraca do seu Firmino, corvinas já voaram pelos ares em um duelo entre dois senhores portugueses. Na tenda de Dona Sula, muitos foram os sábados de ovos de codorna atirados por trás de trincheiras vegetais. Mas aquele seria um dia histórico. Quem seriam os protagonistas? Tantas senhoras viúvas, senhores aposentados, solteironas sensuais, famílias de margarina. E qual seria a quitanda contemplada? Era chegada a manhã de sábado. Dada a largada.
Alguns atritos surgiram no canto do seu Pedro, que vendia apenas verduras. Uma senhora espanhola, que segundo algumas pessoas era dona do maior bordel da Zona Leste, afirmou ter visto uma lesma em cima de uma folha de rúcula. Seu Pedro quase pulou de onde estava pra fazer a espanhola comer a folha de rúcula, porque ela inventava sempre um bicho nos produtos para poder ganhar descontos amigos. Mas não foi dessa vez. Ela foi embora sem rúcula mesmo. E sem apanhar.
Na barraca do seu Firmino, um velhinho ameaçou esfregar uma porção de mexilhão na cara de outro senhorzinho se este não saísse da sua frente. Mas ali, segundo fontes fidedignas, era uma birra de anos. Talvez séculos. Tcharam! Barraca de Tia Solanjão, uma afro-descendente de 125 quilos e um metro e cinqüenta de altura. Frutas, muitas frutas. Duas senhoras brigavam pelo seguinte motivo: havia apenas um abacaxi com uma aparência saudável. Tia Solanjão já vinha apresentando frutas de qualidade duvidosa há algum tempo, desde que havia mudado de fornecedor. E a disputa era centrada em quem levaria o último dos abacaxis. As mulheres berravam. Uma dizia que já não agüentava mais ficar com a xepa da Tia Solanjão. Que, pelo menos o abacaxi bonito ela ia levar. A outra dizia que também não ia mais ficar só comendo aquelas frutas azedas da Tia Solanjão. Que o abacaxi era a salvação. Tia Solanjão estava ficando um tanto quanto magoada com tamanha falta de consideração. Tantos anos levando frutas fresquinhas e tanta simpatia para aquelas velhas mal-agradecidas, aquela gente chata. E as velhas continuavam discutindo. Como pano de fundo, a chance de desancar a tenda de Tia Solanjão, que depois de tanto tempo fornecendo tão doce e gostoso sabor, só porque estava passando por um breve momento de crise, tinha que ouvir aqueles desaforos.
Tia Solanjão saiu de onde estava, atrás da barraca. As velhas continuavam a briga, cada vez mais exaltadas. Tia Solanjão se meteu no meio das duas. Arrancou o abacaxi da mão de uma delas. E ZAZ! Deu com o abacaxi na cabeça das velhas malucas. Tia Solanjão voltou para trás da barraca, limpou o sangue do abacaxi e o descascou. Naquela manhã o abacaxi era dela. Naquela manhã a vitória na batalha do hortifruti também era dela. Da Tia Solanjão.
Um comentário:
Feira é um ótimo lugar para aquelas nossas análises sócio-antropológicas.
E viva tia Solanjão. Cheia de agilidade e atitude!
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