quarta-feira, 7 de maio de 2008

Biscoitos amanteigados


Uma xícara de chá é sempre uma xícara de chá. Um pedaço de bolo é sempre um pedaço de bolo. Mas, agora, olhando para esses biscoitos amanteigados eu vejo algo mais do que apenas biscoitos amanteigados. Eu vejo a vaca que deu o leite para serem feitos os biscoitos amanteigados. Eu vejo a plantação de trigo da qual foi retirado o trigo para serem feitos os biscoitos amanteigados. E assim é, às vezes. Sentado aqui, no canto, às vezes vejo pessoas e coisas. Apenas pessoas e coisas. Mas, às vezes, vejo biografias ambulantes e pães de bisnaga com uma história de vida mais interessante que a minha.


Por exemplo, esse garçom que está me trazendo mais uma xícara de chá de maçã: é um infeliz garçom que vive a trazer xícaras e mais xícaras de chá de maçã. A mulher sentada na mesa ao meu lado: uma ninfomaníaca selvagem pronta para saltar de onde está e atacar alguém ou algo que ela ache sexualmente atraente. A outra mulher sentada ao seu lado: uma mulher com um vestido vermelho. Apenas uma mulher com um vestido vermelho. Não vejo felicidade, tristeza, angústia, prazer. Vejo uma mulher sentada ao lado de uma ninfomaníaca selvagem e vestindo um vestido vermelho.


A mulher que está entrando pela porta: é uma coitada, sexualmente frustrada pelo marido, infeliz no casamento e ansiosa em pedir a separação. Olhos tristes, cabeça pendendo para o lado esquerdo, andar arrastado. É a encarnação da pré-suicida.


Impressionante essa capacidade de ver e não ver. De perceber e não perceber. É realmente uma característica minha da qual me orgulho muito. Não é qualquer um que consegue penetrar na mais profunda escuridão sem luz dos segredos pessoais das pessoas.


A tal mulher que estava entrando pela porta, obviamente não está mais entrando pela porta. Está caminhando, caminhando, caminhando e se aproximando, se aproximando, se aproximando...Reconheço! Minha mulher! Coitada, sexualmente frustrada pelo marido, infeliz no casamento e ansiosa em pedir a separação...


A dádiva de ver o que não se enxerga é maravilhosa, mas às vezes deveria ser restrita a biscoitos amanteigados.

Um comentário:

Pedro Rabello disse...

E quem não fica inventando histórias para as pessoas que não conhece?

Aliás, é praticamente isso que a gente faz no ônibus. Só que a gente não chama de fofoca ou coisa parecida, a gente chama de análise sócio-antropológica, mas é a mesma coisa.

hahahaha...

Adoro esse texto!